terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O MORRO DA MANGUEIRA


Divanir era o irmão caçula do Seu Zizito que morava na Candiba. Era completamente diferente do irmão. Adorava uma piada, levado já era desde pequeno, todos o consideravam um doidivanas.

Em época de Carnaval, o Valão da Onça todo aguardava para ver o bloco do Divanir. Homens vestidos de mulher, com os rostos maquiados, bêbados de cair, tocando seus pandeiros, bumbos e cuícas. Naquele chão de terra, a poeira subia altiva com a passagem dos componentes que animavam a multidão que acompanhava tudo enfeitiçada. As crianças perguntavam:

- Mamãe, aquilo é papai vestido de mulher? É não, é?

A mãe rindo respondia:

- Filho é Carnaval, seu pai está fantasiado!

- Ele está torto? Parece que vai cair! Mamãe papai está “de queimado”!

- Querido, a gente diz, “Papai está de fogo!”

E assim a turma se divertia. As crianças estranhavam e aos poucos imitavam os passistas enlouquecidos, que em coro cantavam as marchinhas do Seu Eugênio, pai do Divanir e do Seu Zizito:

“O preço da canjiquinha
Parece uma vergonha
Até na mesa do rico
Faz-se mesmo cerimônia,
O preço do capadão
Já chegou a quarentão
Ninguém vai poder comprar.
O remédio que nós temos
É comer sem temperar!”

 

Ou então, outra cantavam:


“Eu fui na venda do Marra
Com uma grande intensão
Cheguei e pedi fiado
Ele me disse que não
- Amigo, tu me desculpe
Dói a sua consciência
Se eu pegar a vender fiado
Não posso pagar licença!
Voltar de novo na venda do Marra pra quê
Repetir o fiado ele não vai querer
Pois ele torceu a cara
E depois saiu zangado!”


Os Carnavais do Valão da Onça eram mesmo muito animados. A cachaça branquinha ou amargosa era por todos disputada.

Divanir gostava muito também de visitar o Morro da Mangueira, o local onde as putas rameiras desmamavam os rapazolas valonenses. Era por elas muito querido, quando avistava que ele subia a ladeira, cá de cima, Tutu, a mais antiga das vadias, gritava ao dono do boteco da esquina:

- Pedro Briti, é Tutu que tá falano. Tutu, Pedro Briti, aqui do Morro da Mangueira! Olha quem tá subino! É Divanir!

E Divanir subia todo arrumado com perfume de alfazema e flor de gardênia na lapela. Nesse dia chegou mais cedo, Tutu o recebeu na sala com festa, gritou para Angelina:

- Anda Angelina, Divanir já chegou! Acaba logo esse banho, que eu preciso da gamela pra bater a broa!

Nunca mais ele comeu da famosa broa de Tutu, o gosto estava explicado, mas como era muito debochado, ele mesmo servia a broa para os desavisados. O baile começava às sete horas em ponto. Lá chegavam os homens ansiosos, Getúlio já abusando da bebida, colocava o instrumento para fora e batia com ele na mesa das broas dizendo:

- Olhem o trado! Tá chegando o trado!

A mulherada às risadas, gritava:

- Guarda o grandão, Getúlio! Assim você vai assustar as donzelas!

Assim era a noite inteira: broa de gamela, música para arrastar o pé na terra batida e nos quartos os gemidos sem pudor do mais profundo e vendido amor. Tudo ia noite adentro, até que às vezes Dona Loca, com seu pau-de-macarrão estragava a festa, atrás do marido Julião, aos berros espantava os mais santos rapazes da cidadela.

Quando tudo corria bem, era o galo que cantava brando, para não incomodar os amantes, anunciando o fim da função. Quando o dia clareava, o azul no céu despontava, a vida lá fora recomeçava, até que novamente a noite caísse e nos quadris frágeis e gentis, o trabalhador do dia encontrasse sua recompensa e novamente seu lugar feliz.


3 comentários:

  1. "Quando o dia clareava, o azul no céu despontava, a vida lá fora recomeçava, até que novamente a noite caísse e nos quadris frágeis e gentis, o trabalhador do dia encontrasse sua recompensa e novamente seu lugar feliz." Adoro estes textos que mostra a "vida besta", cheia de nostalgia do interior. Realmenta há muita expressão pictórica da roça com seus devidos atrativos. Pena que isso se perdeu hoje.

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  2. Orima era quente lá no valão,E eu talvez fosse muito jovem para poder aproveitar.
    SANTO EM JAGUAR É QUEW NUNCATEVE HEHEH!

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  3. Das aranha me lembro bem e da prima indo a padaria tambem,mais zona no vlão é coisa antes de mim,ainda que lá ninguem nunc tenha passado necessidades! hehehe

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