sexta-feira, 26 de março de 2010

VALÃO DA ONÇA - A Primeira Geladeira


A propriedade de Seu Aristides e Dona Laurides, ficava um pouco afastada do Valão da Onça, mas era passagem dos viajantes que sempre perguntavam o caminho para chegar à cidadezinha. Os filhos e empregados eram orientados a dar as informações solicitadas e, ainda atender os que enfrentavam a vastidão da estrada, oferecendo sempre água, algum lanche, fruta ou suco aos visitantes.
A família era enorme, composta por oito filhos, entre meninos e meninas. As meninas sempre envolvidas com os afazeres da casa junto à Dona Laurides, brincadeiras de boneca, roda, entre outras. Um dos garotos se chamava Gilson e, com muito carisma estava sempre rodeado pelos irmãos e amigos, com isso as traquinagens eram constantes.
Certa vez as galinhas de Seu Aristides começaram a desaparecer. Os empregados não conseguiam descobrir como que de tempos em tempos uma delas sumia. Colocavam armadilhas para possíveis gambás e outros animais, mas nunca pegaram bicho algum. Nem poderiam! Gilson e irmãos, esperavam o momento certo e seguiam até o galinheiro, onde sorrateiramente seqüestravam uma galinha bem gordinha. Os moleques sumiam em meio à propriedade, onde temperavam, assavam e se deliciavam com a galinha roubada do próprio pai. Gilson afirmava sorridente:
- Galinha mais gostosa que essa não pode existir! Boa é galinha roubada!
E a risadaria era geral. Todos sabiam que se eles pedissem as galinhas para assá-las na fogueira, Seu Aristides daria com toda satisfação, mas assim não seria tão divertido.
O Valão da Onça era conhecido por suas assombrações. Um belo dia Gilson vinha caminhando normalmente, quando alguns empregados começaram a gritar:
- Corre, corre! Que diabos é isso?
O menino continuou caminhando calmamente e, quando se aproximou dos empregados perguntou:
- O que houve gente? Cadê a assombração?
- Então você não viu o cachorro que enquanto você caminhava trançava entre suas pernas?
O garoto ficou bastante assustado naquele dia, mas de tão levado que era, não era medroso suficiente, para ficar muito encucado com o ocorrido.
Um grande mistério assolava a cidadezinha: o caso das laranjas malditas. Havia um famoso pomar com todo tipo de árvores frutíferas: laranjeiras, mangueiras, goiabeiras, nossa era uma maravilha o pomar do Seu Antônio.
O grande mistério, acontecia na manhã seguinte ao primeiro dia de lua cheia: na soleira das casas apareciam exatamente três laranjas! As beatas se benziam, os homens não sabiam o que dizer, os macumbeiros diziam que era necessário atirá-las em água corrente, a confusão era geral, porque ninguém queria se aproximar das laranjas.
Aí que Gilson, os irmãos e amigos prontamente se ofereciam para tão arriscada jornada. Pegavam um cesto e saíam recolhendo as laranjas para serem jogadas no rio. A cada casa, antes de pegá-las, se benziam.
O que os moradores não sabiam é que eram eles mesmos que assaltavam o pomar de Seu Antônio durante à noite, distribuíam as laranjas e quando recolhiam o cesto, era mesmo uma festa: na beira do rio chupavam as laranjas mais gostosas da região com profunda satisfação do dever cumprido, afinal ajudaram os moradores a se livrarem da maldição das laranjas.
Seu Aristides adorava as novidades da época, comprou o primeiro carro importado da cidadezinha, um Mercury conversível, que lustrava todas as semanas e saía para uma voltinha semanal com a família.
Também comprou a primeira geladeira da cidade, movida a gás, um luxo para a época. Na chegada da preciosidade, a cidadezinha parou. Todos queriam ver o desembarque de tão famoso item. Era branca e reluzia contra o Sol, sua brancura. Exclamaram as donas de casa:
- Oh, que coisa mais linda!
Os homens se ofereciam para descê-la do caminhão que a trouxera, e a garotada acompanhava tudo repleta de curiosidade.
Assim que foi instalada, a multidão debandou para suas casas. A família então, pode aproveitar o novo item da cozinha.
Poucos dias se passaram até que Gilson convidou toda a mulecada para chupar gelo, novidade que interessava a todos. A garotada fazia algazarra enquanto colocava os pedaços de gelo na boca: uns gritavam de susto, outros estavam às gargalhadas, atiravam uns nos outros, outros passavam nos braços para verem derreter. A bagunça era geral, até que Seu Pernambuco e Clécio passaram pelo local e começou a gritaria:
- Clécio, acóde que esses moleques tão comeno vidro! – gritou Seu Pernambuco.
Clécio prontamente atendeu, começou a gritar junto e ir em direção dos meninos para evitar tamanha tragédia:
- Eita mulecada maluca! Cospe os vidros pra fora! – batendo nas costas dos meninos.
Seu Pernambuco contribuía:
- Aristides, vem ver seus muleques mandando vidro pra dentro! Acóde homem! Acóde!
Quando Seu Aristides chegou, começou a rir sem parar, tentando explicar que era gelo, que não fazia mal, mas Seu Pernambuco, exclamou:
- Eita, homem, cabra da peste! Nem liga pros fios se matano! Deixa Clécio, nois é que num vamo entrar cumendo esse tar de gelo! Pensa que nois num sabe o que é vidro! Somos bobos não!
Todos riram e continuaram na festa do gelo, até Seu Aristides e Dona Laurides resolveram chupar uma pedrinha!

Um comentário:

  1. Só você para me levar a sonhar e a dar vlor aos melhores tempos da minha vida.Como dizem a gente só da valor depois que tudo se foi.
    e lembrar estes nomes que já se estavam apagando de minha memoria vale um milhão de abraços.

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