terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

VALÃO DA ONÇA - A Assombração e os Ovos


O cemitério tranqüilo e assustador é o caminho obrigatório para a casa do Clécio. Todos os dias ao passar por ele, Clécio apressa o passo, arregala os olhos, escuta os ruídos, reza em silêncio e segue aterrorizado pela estrada de terra cercada de imensas árvores que parecem esconder o dia. O vento assobia o som doce da morte e as árvores balançam como noivas gigantes abandonadas ao relento.
Clécio hoje esqueceu da hora enquanto conversava animadamente com seu Zizito na loja do Seu Tomás Gama, quando percebeu que já havia escurecido. Tomando na mão uma cesta de ovos frescos, despediu-se dizendo:
- Já vou indo, afinal meu caminho não é nada agradável a essas horas tardias.
- Cuidado Clécio! Os mortos andam desvairados nesse cemitério – afirmou Zizito.
- Num brinca homem! Eu fico gelado só de pensar que eu tenho que passar por lá.
- Eu não tô brincando Clécio! Ontem o Francisco esteve aqui e contou que estava passando por lá quando ouviu um ruído estranho e resolveu entrar para ver o que era.
- Fala homem, o que era?
- Diz que ele entrou e sentiu o cheiro fresco de rosas, no cruzeiro havia um homem acendendo as velas, se aproximou e perguntou as horas.
- Ah! Então era apenas um homem rezando?
- O homem nada respondeu, virou-se para Francisco, foi quando ele viu o rosto lívido e assustador. O homem sorriu um riso sinistro, então Francisco que não é bobo nem nada, deu no pé.
- E o homem então era....
- Não se sabe Francisco não ficou lá para poder dizer.
- Cruz-credo! Deixa eu ir embora, mas antes me arrume um copo de água com açúcar.
Seu Zizito que adora um mal feito foi buscar a água, rindo discretamente. Após tomar a água Clécio despediu-se e seguiu o seu caminho mais apavorado do que nunca.
Seus passos firmes marcavam a terra da estrada, a lua era cheia e assim era possível enxergar perfeitamente as árvores do caminho. Ao aproximar-se do cemitério, parou, ajoelhou-se e rezou. Levantou e seguiu lentamente, agora seus passos eram leves, parecia quase flutuar, os seus olhos miravam a porta alta e esguia, seus ouvidos a espreita para qualquer eventualidade.
Nesse clima sombrio e nefasto foi que tudo aconteceu. Francisco e Tuninho já tinham planejado pregar uma peça no pobre do Clécio. Tudo já estava preparado: eles acenderam velas em vários túmulos, espalharam pétalas de rosas e cravos, estavam vestidos com lençóis brancos, tendo nas mãos espigas de milho acesas no lugar dos dedos.
No momento exato que Clécio passava pelo cemitério eles começaram a uivar:
- Uhhhhhhhhhhhhhhhhh! Uhhhhhhhhhhhhhhhhh!...
Clécio, então amedontrado, sentindo o cheiro da morte, levantou os olhos e viu os túmulos acesos. Nesse instante, Francisco e Tuninho saltaram na frente da porta do cemitério com as fantasias monstruosas, Clécio arregalou os olhos, as pernas bambearam e num gesto brusco gritou:
- Valha-me Deus, Nossa Senhora!
Saiu em disparada, tropeçou e a cesta cheinha de ovos foi arremessada para o alto, caindo exatamente sobre Clécio, que a essas horas já estava desmaiado sobre a estrada de terra.
Francisco e Tuninho ficaram assustados imaginando que teriam matado o homem de susto. Clécio quando acordou estava amarelo de medo e, também dos ovos que quebraram-se sobre ele.
Agradeceu inúmeras vezes a Francisco e Tuninho por terem salvo sua vida. E jamais, nunca mais, depois de anoitecer, cruzou pelo cemitério desacompanhado.

2 comentários:

  1. Assim não vou poder perder nenhum desses capítulos ne! rsrsrs
    Encontra-se excelente sua forma de narrar histórias.

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  2. MOARAVILHOSO ESSE TIO ZIZITO ERA MESMO UMA PEÇA RARA.
    VOCÊ ESTÁ DE PARABENS COMO SEMPRE E ME FAZ MUITO FELIZ.

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