Tive um pai que partiu, no auge dos seus sessenta e seis anos, com seus defeitos e qualidades.
Aprendi muito com ele: sandálias hawaianas nos pés, camiseta regata, bermuda de taquetel, e uma altivez que calava os fracos.
Nunca vi alterar sua voz, discutia num tom firme e baixo. Expressava sua opinião e, teimoso, mantinha sua versão dos fatos, ninguém conseguia convencê-lo do contrário. Eu rebelde, sempre tinha que contrariá-lo, minhas ideias eram outras, teimosa como ele, insistia em mantê-las, ele me respeitava e quando a discussão se exaltava, apenas num momento de rompante me dizia, "Burralda", a confusão estava armada, ele havia debochado da minha inteligência, era uma graça nossos desentendimentos.
Acordava antes de todos na casa, enquanto a água fervia, pegava o carro ia à padaria, de volta armado com pão quentinho, entrava em nosso quarto e colocava o calor do pão no nosso rosto, eu acordava sorrindo, minha irmã mais dorminhoca, sempre levava uma boa palmada no bumbum. Assim, começavam nossos dias, com cheirinho de pão fresquinho e palmadas.
Na hora do almoço, todos sentados à mesa, assim que acabávamos, na cama deles reunidos, eu, minha irmã, papai e mamãe, uma hora de papo, todo dia tinha assunto diferente.
Quando a noite chegava, nós cansadas do trabalho, mamãe com seu humor sempre alterado, ele aparecia sempre sorrindo, ia entrando chamando mamãe de "Dona Encrenca", a gente de "Minhas Chiquinhas", batia em nosso bumbum, se uma de nós estava sentada no seu lugar no sofá, levantávamos, aquele cantinho era somente dele, suas únicas exigências na vida: o cantinho no sofá, angu de segunda a sexta e, almoço servido exatamente ao meio dia.
Perdê-lo foi uma dor terrível, a maior por mim já sofrida, me senti tão culpada por não ter conseguido salvá-lo, senti tanto medo da minha vida sem ele, tentei cuidar da minha mãe e da minha irmã, achei que fosse mais forte e ia conseguir fazê-lo, mas não pude, apenas adoeci na minha angústia e meu desespero.
Demorei muitos anos, muitos mesmos, para conseguir recomeçar minha vida sem ele, sua partida me destruiu por dentro. Até hoje, minhas lágrimas ainda não correm, talvez um dia possa voltar a chorar.
Uma coisa não posso negar, em alguns momentos senti raiva dele por ter me deixado, me senti injustiçada, demorei a perceber que não era minha culpa, nem dele. Assim pude nos perdoar.
Hoje ouso dizer que meu amor por ele é tão grande, que esqueci os momentos ruins, guardei apenas os mais belos para recordar, com uma saudade ainda doída.