domingo, 28 de fevereiro de 2010

VALÃO DA ONÇA - O Visitante e as Aranhas


A casa de Seu Zizito e Dona Nely, vivia a expectativa da visita do sobrinho Rinaldo, que regula a idade com a filha mais velha, Rose. O garoto morava em Nova Friburgo e tinha fama de ser bastante levado, mas nada que Dona Nely com sua firmeza não pudesse controlar.
Por volta das dezessete horas, depois de uma viagem bastante exaustiva, apareceu na porta um rapazola, coberto da poeira da estrada, foi recebido com muita alegria pelos tios e primos. Dona Nely logo o encaminhou ao banho, que levou quase uma hora para que toda a poeira fosse eliminada.
Lá pelas dezenove horas o jantar estava servido, todos à mesa, que estava repleta de delícias: arroz, uma carne de porco retirada da lata e aquecida para ser servida, naquela época a carne de porco era preparada e guardada em latas com a gordura do cozimento para manter-se fresca, afinal ninguém no Valão da Onça possuía geladeira, também o que chamamos hoje de salada com batatas, abóboras, mandioca, entre outros, e é claro o famoso feijão preto que nas mãos mágicas de Dona Nely, ganhava um suave colorido de carmim.
Rinaldo ansiava mesmo era por sua sobremesa favorita, feita pela tia: um doce de leite caseiro, que levava horas para ser preparado servido juntamente com o requeijão, outra especialidade da tia.
- Tia, e a sobremesa? Já acabamos tudinho!
Os primos adoravam as visitas de Rinaldo, a tia fazia todas as suas vontades culinárias e, os meninos se deliciavam com isso.
- Claro Rinaldo, mas você tem que adivinhar qual é a sobremesa que fiz pra você!
O moleque muito astuto, cheio de carinhos e elogios respondeu:
- Minha tia querida, sabendo da minha vinda, só posso dar-lhe uma resposta: doce de leite e requeijão, a minha favorita, tô certo?
- Ahhhhhhhhhhhhhhhh...............................
Nesse instante todos ficaram desapontados, via-se nos olhinhos dos meninos à mesa, a decepção. Rinaldo chegou a engolir seco um quase choro, mas a tia completou, naquele clima de suspense:
- Este é o meu Rinaldo, será mesmo um cientista quando crescer tamanha inteligência! Vou buscar sua sobremesa, mas acho que também poderia pensar em ser adivinho nessas feiras que vemos por aí e, ganhar um tostões!
Todos riram e saborearam aquelas delícias. Rinaldo contava animadamente a viagem e, todos foram dormir logo que os lampiões foram apagados, enebriados pelo cheiro de querosene oriundo dos mesmos.
No fim de semana todos estavam animados com a ida à fazenda dos avôs, Nanega e Jovêncio. Logo pela manhã os empregados chegaram num carro de boi para buscá-los. Nossa, quanta alegria! Dona Nely juntou os filhos e o sobrinho, subiram e seguiram rumo à fazenda. Enquanto as crianças animadamente iam cantando, brincando, e até mesmo brigando, quando a tia por vezes tinha que intervir, ouvia-se o choro manso e contínuo das rodas do veículo. Aquele som ia acalentando as almas do caminho.
Vovó Nanega, como era chamada, era uma senhora austera, esguia, cabelos já esbranquiçados e tinha pele cor de jambo, dizia-se que descendia de índios e escravos das senzalas. Já o vovô Jovêncio era alto, magro, cabelos claros, pele alva e olhos de um azul quase que indiscritível, tinha um tom amigável e com isso conquistava a criançada.
A casa da fazenda era enorme, janelas de soleiras altas, piso de tábua corrida, guloseimas de todos os tipos e um gramofone que enchia de música a sala nas noites de festa. O pomar era imenso com uma infinidade de árvores frutíferas e, muitos colonos viviam nas casas em torno da propriedade.
As crianças andavam soltas pelo lugar: andavam a cavalo, nadavam no açude, pescavam, ajudavam os empregados com as criações, subiam em árvores, menos a Rose que era muito desajeitada, depois de muitas tentativas e quedas acabou desistindo da façanha.
A noite após o jantar, enquanto os adultos conversavam animadamente, as crianças brincavam de roda e cantavam cantigas regionais. Rinaldo havia saído para se encontrar com um filho de colono, Luizinho. Eles haviam preparado as abóboras acesas, que foram presas à cerca próxima a casa principal. Rinaldo entrou muito animado e chamou os primos dizendo:
- Gente, vamos lá fora que tem um cometa no céu!
André perguntou:
- Que diacho é isso?
-Ah, é um sol com um rabo todo iluminado cruzando a escuridão da noite.
Todos correram para porta, mas quando viram as abóboras, houve choro, correria, objetos caíram dos móveis e quebraram-se tamanha a histeria. Os avós não ficaram nada satisfeitos e o fim de semana acabou mais cedo pra todos.
Já no Valão da Onça, dias depois Rinaldo embarcava com sua tia Zilete para Nova Friburgo, levando seus pertences e uma caixa que Ronaldo lhe entregara de última hora, por pouco esquecida.
A viagem transcorria normalmente, quando Rinaldo resolveu dar uma olhadinha na caixa, ficou lívido com o que viu: a caixa estava vazia. Não demorou muito para que começassem os gritos pavorosos dentro do ônibus vindos de todos os cantos:
- O que é isso? Socorroooooooooooooo!
- Ai meu Deus, aranhas, socorrooooooooooo!
- Motorista, pare já este ônibus tem aranha de todos os tamanhos e tipos! – gritou o cobrador.
Rinaldo juntamente com todos os passageiros desceram do veículo. O motorista e o cobrador, auxiliados por alguns passageiros começaram a procurar as aranhas até que o ônibus estivesse completamente limpo. As discussões eram as mais variadas, passageiros se acusavam, mas o culpado jamais foi descoberto.
Ao chegar ao destino os aguardava na rodoviária o genro de Dona Zilete, Armando, quando Rinaldo o alcançou, disse-lhe ao pé do ouvido:
- Suas aranhas estão todas perdidas! Elas escaparam dentro do ônibus e o alvoroço foi geral!- falava enquanto ria cinicamente.
- Fica quieto moleque!
- Ah, mas você ainda me deve aquele sorvete!
Armando era professor de Ciências e também gostava de experiências, portanto, o parceiro ideal para o moleque.
Sem que eles percebessem a tia ouviu tudo e exclamou:
- Então as aranhas eram suas, seu moleque safado! E você Armando um homem feito metido nessa lambança!
- Mas tia eu precisava abrir a caixa de vez em quando, senão as pobrezinhas morriam sufocadas!
Por mais que o caso fosse sério, a tia só conseguiu mesmo foi dar boas risadas contando o acontecido. Rinaldo que foi quem levou a pior, ficando alguns dias de castigo.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

OLHOS PROFUNDOS

Ouço uma bela música
Vejo seus lindos olhos verdes
Verdes e profundos como o mar
Neles vejo a imensidão da vida
Por eles é possível navegar
Na incerteza de não saber onde chegar,
Olhos profundos, vida confusa
A beleza viva do mar.
Ouço uma bela música
Mergulho no verde dos seus olhos
Olhos profundos, vida confusa
Vejo amor em seus olhos
É preciso por eles navegar
Desvendar seus mistérios
Em suas tempestades naufragar
E ser feliz.
Ouço uma bela música
Me entrego ao verde dos seus olhos
À pureza das suas atitudes
À racionalidade de suas ações
E admiro você
Amo você
E sou capaz de perceber
O verde azul dos seus olhos...

“Dedicada à minha irmã e aos seus lindos olhos verdes.”

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

SAUDADES DE MIM...

Estou sentindo tudo de novo. Um nó na garganta não me deixa falar e expor meu grande desespero. Sinto-me muito pequena e a paz já não existe. Estou muito cansada e o cansaço me faz mal. Fiz tantos planos, desenganos... Estou em paz e em tormento. Sei que incomodo e sou incomodada. Vivo sem rumo!
Um dia quis ser muito e me transformei em muito pouco. Estou só e só me sinto. Quis viver e ser feliz, me desiludi! O mundo trata mal quem muito sente. Quero somente fugir, mas para onde ir, que rumo seguir?
Preciso chorar, mas minhas lágrimas desapareceram. As pessoas são egoístas, mentirosas e, vejo somente falsidade em suas ações. Não quero parecer com elas, mas sem querer sou diferente. Sofro por isso!
Vivo intensamente as minhas emoções, mergulho e me afogo nas águas turvas dos sentimentos, amo muito, odeio muito, tudo comigo é intenso e, a dor chega a ser insuportável.
Planejei muito, quis muito, pensei poder alcançar o que sonhei, não alcancei. Me tornei amarga e meus olhos quase não brilham. Tenho 21 anos e estou um pouco morta. Me perdi de mim, em algum ponto e não vi. Sinto saudades de mim...

“Texto escrito quando eu tinha 21 anos, acho que ainda sinto saudades de mim....”

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

VALÃO DA ONÇA - A Assombração e os Ovos


O cemitério tranqüilo e assustador é o caminho obrigatório para a casa do Clécio. Todos os dias ao passar por ele, Clécio apressa o passo, arregala os olhos, escuta os ruídos, reza em silêncio e segue aterrorizado pela estrada de terra cercada de imensas árvores que parecem esconder o dia. O vento assobia o som doce da morte e as árvores balançam como noivas gigantes abandonadas ao relento.
Clécio hoje esqueceu da hora enquanto conversava animadamente com seu Zizito na loja do Seu Tomás Gama, quando percebeu que já havia escurecido. Tomando na mão uma cesta de ovos frescos, despediu-se dizendo:
- Já vou indo, afinal meu caminho não é nada agradável a essas horas tardias.
- Cuidado Clécio! Os mortos andam desvairados nesse cemitério – afirmou Zizito.
- Num brinca homem! Eu fico gelado só de pensar que eu tenho que passar por lá.
- Eu não tô brincando Clécio! Ontem o Francisco esteve aqui e contou que estava passando por lá quando ouviu um ruído estranho e resolveu entrar para ver o que era.
- Fala homem, o que era?
- Diz que ele entrou e sentiu o cheiro fresco de rosas, no cruzeiro havia um homem acendendo as velas, se aproximou e perguntou as horas.
- Ah! Então era apenas um homem rezando?
- O homem nada respondeu, virou-se para Francisco, foi quando ele viu o rosto lívido e assustador. O homem sorriu um riso sinistro, então Francisco que não é bobo nem nada, deu no pé.
- E o homem então era....
- Não se sabe Francisco não ficou lá para poder dizer.
- Cruz-credo! Deixa eu ir embora, mas antes me arrume um copo de água com açúcar.
Seu Zizito que adora um mal feito foi buscar a água, rindo discretamente. Após tomar a água Clécio despediu-se e seguiu o seu caminho mais apavorado do que nunca.
Seus passos firmes marcavam a terra da estrada, a lua era cheia e assim era possível enxergar perfeitamente as árvores do caminho. Ao aproximar-se do cemitério, parou, ajoelhou-se e rezou. Levantou e seguiu lentamente, agora seus passos eram leves, parecia quase flutuar, os seus olhos miravam a porta alta e esguia, seus ouvidos a espreita para qualquer eventualidade.
Nesse clima sombrio e nefasto foi que tudo aconteceu. Francisco e Tuninho já tinham planejado pregar uma peça no pobre do Clécio. Tudo já estava preparado: eles acenderam velas em vários túmulos, espalharam pétalas de rosas e cravos, estavam vestidos com lençóis brancos, tendo nas mãos espigas de milho acesas no lugar dos dedos.
No momento exato que Clécio passava pelo cemitério eles começaram a uivar:
- Uhhhhhhhhhhhhhhhhh! Uhhhhhhhhhhhhhhhhh!...
Clécio, então amedontrado, sentindo o cheiro da morte, levantou os olhos e viu os túmulos acesos. Nesse instante, Francisco e Tuninho saltaram na frente da porta do cemitério com as fantasias monstruosas, Clécio arregalou os olhos, as pernas bambearam e num gesto brusco gritou:
- Valha-me Deus, Nossa Senhora!
Saiu em disparada, tropeçou e a cesta cheinha de ovos foi arremessada para o alto, caindo exatamente sobre Clécio, que a essas horas já estava desmaiado sobre a estrada de terra.
Francisco e Tuninho ficaram assustados imaginando que teriam matado o homem de susto. Clécio quando acordou estava amarelo de medo e, também dos ovos que quebraram-se sobre ele.
Agradeceu inúmeras vezes a Francisco e Tuninho por terem salvo sua vida. E jamais, nunca mais, depois de anoitecer, cruzou pelo cemitério desacompanhado.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

VALÃO DA ONÇA - Dunga e as Mulatas


Ronaldo o filho mais velho e André o caçula acreditavam que na casa de Dunga havia as mais lindas mulatas da região. Dunga era mesmo um gosador e contou uma história mirabolante aos pestinhas. Disse-lhes que as suas mulatas eram lindas e muito obedientes, e que por ordem dele elas viviam peladinhas dentro de casa:
- Olha Ronaldo, elas fica peladinhas!
- Peladinhas de tudo Dunga?
- Claro. É minha ordem.
- E o que a gente faz pra ver?
- Um dia eu levo vocês até lá
- Leva hoje! Leva!
- Olha Ronaldo, papai vai brigar com a gente!
Neste instante o peste chama o irmãozinho de lado e diz:
- Não seja bobo! A gente não pode perder essa oportunidade. As mulatas tão peladinhas! Ai eu tô doido pra botar a mão!
- Oh! Então eu vou, mas a idéia foi sua.
- Olha Dunga, nós vamos!
- Tudo bem, mas tem uma condição.
- Que condição?
- Vocês vão comigo, mas vai entrar um de cada vez.
- Ah, está feito!
No caminho Ronaldo mal podia se conter, estava radiante, enquanto André ainda muito pequeno não estava nada interessado. Dunga ainda parou para tomar uma cachaça e Ronaldo impaciente interrompeu:
- Vamos lá Dunga! Com tanta mulata esperando a gente, você ainda pensa em cachaça.
- Clama rapaz! Tudo tem sua hora.
Ao se aproximar da casa Dunga disse:
- Olha, eu vou entrar primeiro para não assustar as mulatas. Vocês esperem aqui!
- Tá bom Dunga, mas vai logo!
Dunga entrou, arrumou umas abóboras na cama junto com travesseiros, fechou todas as janelas para que o ambiente se tornasse totalmente escuro e jogou perfume barato por todo o quarto. Chegando lá fora com um pano na mão disse:
- Primeiro vai o Ronaldo. Como você é muito levado vou tapar seus olhos com uma venda...
- Pode ir parando! Então eu não vou ver nada!
- Ah, moleque bocó. Você num vai ver, mas vai fazer mior, vai colocar as patas nelas.
- Aí tudo bem, né! Eu num sou bobo nem nada.
Ronaldo teve os olhos vendados e foi levado até o quanto.
- Nossa Dunga essas mulatas tem é cheiro bão!
- Calma rapaz, cê ainda num viu nada!
- Nem posso ver né, burro! Tô com os olhos vendados.
- Agora pare de reclamar que as mulatas tão drumindo, você quer que elas acorde?
- Não, não eu vou ficar quietinho.
- Agora eu vou destapar uma que tá na cama e você vai botar a mão na bunda dela.
- Ai Dunga, eu tô doidinho!
Dunga pegou a mão do moleque e colocou bem na abóbora. O moleque achou meio esquisito, mas não esperava a hora de contar pra molecada o feito de ter bolido nas mulatas do Dunga, saiu de lá em êxtase.
Dunga pegou o menorzinho e fez a mesma coisa, mas quando o moleque colocou a mão na abóbora saiu rua afora se esguelando:
- Socorro! Socorro! Socorro!
Ao ouvirem os gritos do moleque os cidadãos ilustres da pequena cidadezinha socorrem o menino que quanto perguntado sobre o acontecido disse-lhes:
- A bunda da mulata do Dunga é gilada, gilada! Ai que bunda fria! A mulata tava é morta.
A população enfurecida seguiu armada de porretes, pedras e até revólveres para caçar o assassino. Até Dunga explicar que as bundas não passavam de abóboras geladas. Foi um sufoco!
Ronaldo foi quem levou a pior, além de uma bronca daquelas, durante muito tempo foi chamado de BUNDA D’ABÓBORA.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

VALÃO DA ONÇA - A Menina Atolada


Rose, a filha de Seu Zizito e Dona Nely, é uma menina muito frágil e também muito distraída. Dia desses a mãe dela mandou que ela fosse até a padaria buscar pão e bolo, pois estavam para chegar os seus avós.
De sua casa até a padaria era bem pertinho, mas ela ia andando tão devagar que só para chegar levou mais de vinte minutos. Na volta resolveu passar pelo mercado para ver se Eduardo tinha mesmo viajado, o que seria um sossego já que ele destruía a casinha que as meninas armavam pra brincar e sempre sujava as bonecas de lama.
Ao chegar perto do mercado teve uma surpresa, Eduardo estava lá, tinha viajado coisa nenhuma e ainda por cima estava com ele a Pepita, a gata de Seu Dadá que era temida até pelos cachorros da região. Certa vez um freguês chegou com um cachorro enorme e muito bravo, então disse para Seu Dadá:
- Esconda a sua gata, pois o Lobo tem horror de gatos!
- Quer fazer uma aposta como Pepita coloca seu cachorro para correr?
- Claro que não! O Senhor vai perder.
- Eu insisto.
- O Senhor que sabe!
Então Seu Dadá chamou Pepita e apontou para o cachorro. O que parecia incrível aconteceu, Pepita foi de unhas e dentadas no focinho do cachorro que fugiu correndo para espanto de todos.
E agora estavam frente a frente: Eduardo, Pepita e a franzina Rose. A menina sabendo da fama de Pepita correu alucinada pelas ruas, tropeçou na ponte e caiu dentro do valão.
O valão estava vazio e a menina ficou atolada com água até a cintura. Tentando sair ala levantava a perna direita e atolava a esquerda e vice-versa. No meio de seu desespero apareceu Seu Pernambuco passando na ponte.
- Seu Pernambuco! Seu Pernambuco!
- Oh! Chente. Quem é que me chama?
- Sou eu, Seu Pernambuco.
- Eu quem, diacho? Não vejo ninguém.
- Aqui embaixo no valão!
- Ah, pobre ménina! Está se afógando.
- Socorro Seu Pernambuco! Socorro!
- Se você pensa que eu vou me molhar e sujar minhas botas está muito enganada.
- Pelo amor de Deus Seu Pernambuco, me acorde!
- Eu já disse que não vou me molhar.
- Chame alguém então!
- É, boa idéia, espere um pouquinho que eu volto com ajuda.
E foi aí que Seu Pernambuco saiu pela cidade gritando:
- Acode que a ménina está se afógando! Acode que a pobrézinha não agüenta muito tempo mais! Acode minha gente, acode!
Para surpresa de todos ao chegarem no valão, avistaram a pobre menina atolada com água na cintura. A multidão perguntou:
- Por que você não desatolou a menina, Seu Pernambuco?
- Ora, eu não sei nadar!

VALÃO DA ONÇA - Prólogo

A cidadezinha chama-se Valão da Onça, não que haja alguma onça, é que tudo na cidade é bem diferente, as ruas não são calçadas, não há carros a não ser a velha Cantareira do Seu Adalto, as casas são todas de tábua corrida e têm cheiro de passado, os habitantes são gente hospitaleira, a igreja fica na praça do coreto mas não funciona por falta de padre.
Numa das casas vive uma família composta de cinco pessoas: o pai, um homem de caráter, do tipo que impõe respeito não pelo uso da força mas pela firmeza do olhar; a mãe, uma dessas senhoras bravas que faz uso freqüente da varinha de goiaba; a filha, uma garota magrinha de cabelos escorridos que é muito frágil, do tipo que nem consegue subir em árvore; o filho mais velho é um gordinho atrevido que vive aprontando por toda a parte e o menorzinho é mesmo muito engraçado, pronuncia todas as palavras erradas e segue literalmente as ordens do irmão. Já ia me esquecendo, também faz parte da família o Dunga, um bêbado muito gente fina que toma conta dos meninos.
Outro fato interessante é que Dona Candinha, uma beata solteirona que está sempre bem informada de tudo que acontece no lugarejo, resolveu escrever ao bispo para pedir que este a ordene padre.
Isso causou um alvoroço na cidade e todos esperam ansiosos a resposta do bispo. Já fazem oito meses e até hoje nada, Dona Candinha anda dizendo que vai escrever agora é para o papa, e este a ordenará padre da Matriz de Santo Antônio.
Vive também na cidade o Clécio, um rapaz muito namorador que é vendedor junto com Seu Pernambuco. O Clécio se mete em confusão devido ao seu jeito lânguido, anda impecável e traz sempre no bolso um par de alianças extras que ele explica dizendo “A gente nunca sabe a hora certa de colocar uma aliança no dedo, por isso fico sempre preparado”. As más línguas dizem que só de noiva tem três, fora as outras namoradas.
O cemitério da cidade é temido por todos. Lá se ouvem barulhos estranhos, vêm-se vultos caminhando entre os túmulos e o cheiro agradável de rosas frescas sem que se possa notar rosa alguma. Nas noites de lua cheia gritos alucinantes ecoam dos túmulos e ninguém ousa passar nem na rua onde fica localizado.
Seu Pernambuco é um nordestino camarada, que chegou há pouco tempo na cidade. Logo fez amizade com todo mundo e se tornou sócio de Clécio no negócio de venda de baterias para rádio. O único problema é que Seu Pernambuco é totalmente atrapalhado e por isso vive se metendo em confusão. Recentemente ele batizou junto com Yeda, a filha caçula de Dona Mulata.
Dona Mulata é casada com Seu Raimundo, o dono da padaria, ela é uma senhora muito nervosa, dizem que é problema de pressão, mas alguns acham que ela não vai viver muito tempo pois o coração dela bate muito fraco. Yeda é a sobrinha de Dona Mulata, os pais dela morreram há muitos anos e desde muito pequena ela mora com eles.
Temido por todos é o moleque Eduardo, filho do Seu Dadá dono do mercado. Ele é mesmo impossível, espanca cachorro, dá nó nas tranças das meninas, quebra vidraças, rouba fruta do quintal dos vizinhos, esconde os cacetes dos fregueses do mercado. Cacete é um pedaço de pau, tipo cabo de vassoura, que o pessoal da roça usa pra se defender ao passar em estradas desertas. Não que haja ladrão, mas é que a gente da roça é muito desconfiada.
Também mora na cidade o escrivão do cartório, Seu Adalto, que vive com sua mulher Dona Cidinha e seus filhos. A paixão de seu Adalto é mesmo a criação de gansos. Os gansos de Seu Adalto são muito bravos e ficam soltos no pomar. Pegar frutas lá, nem pensar!